Análise a OPPENHEIMER

★★★★★ - Escrito e realizado por Christopher Nolan, esta obra é um relato assombroso sobre os eventos que mudaram a história da humanidade em 1945, e cinema no seu estado mais meta.

Oppenheimer, baseado na biografia, American Prometheus: The Triumph and Tragedy of J. Robert Oppenheimer, de Kai Bird e Martin J. Sherwin, conta-nos a história do físico teórico em título, com foco no seu tempo como líder do Projeto Manhattan, onde se criaram as primeiras armas nucleares, e as consequências pessoais e mundiais da sua conceção.

Escrito e realizado por Christopher Nolan, esta obra traz-nos um relato assombroso sobre os eventos que mudaram a história da humanidade em 1945, e é contado maioritariamente através da perspetiva de Robert Oppenheimer, explorando o seu passado como estudante de física, o envolvimento na criação da bomba atómica, e todos os desafios pessoais e políticos que o mesmo enfrentou durante a vida.

O argumento divide a história em várias timelines, uma característica típica do cinema de Nolan, e essencialmente, separa o filme em dois arcos: o pós-guerra de Openheimer, com ênfase na audiência de segurança realizada pela AEC (Atomic Energy Comission) em 1954, onde é explorado em detalhe o seu passado, afiliações políticas, divergências com o governo em relação ao uso de armas nucleares, e o conflito pessoal com o comissário da AEC, Lewis Strauss; e o Projeto Manhattan, incluindo os eventos da vida do físico que o levaram ao deserto de Los Alamos. Ambos os arcos fluem saudavelmente pela narrativa, estabelecendo uma âncora realçada pela vertente técnica, que transforma o ecrã do pós-guerra com fotografia a preto e branco, e o restante a cores, resultado de um trabalho fantástico do cinematógrafo Hoyte Van Hoytema.

A equipa de Nolan reúne um conjunto de profissionais de topo, começando por ele, um cineasta veterano com uma visão ousada, que nos revela de forma marcante, intensa e inspiradora, as consequências caóticas do potencial humano, no seu melhor e no seu pior; e o elenco, que faz um excelente trabalho ao encarnar personagens carismáticas e complexas, com todos os seus defeitos e virtudes demonstrados de forma soberba na narrativa, destacando Cillian Murphy, na pele de J. Robert Oppenheimer, que merece sem dúvida uma nomeação ao Óscar de Melhor Ator; Emily Blunt como Kitty Oppenheimer, a sua esposa; e Robert Downey Jr., que regressa aos papéis sérios como Lewis Strauss. O resultado final no ecrã, com montagem de Jennifer Lame, é ritmicamente impecável; a arte de Ruth de Jong é autêntica e ambiciosa, e a banda sonora de Ludwig Goransson, em sintonia com a equipa de som, é brutalmente aterradora.

Todo o trabalho árduo da equipa funciona aqui em uníssono para nos entregar um espetáculo visual de proporções épicas que merece ser visionado em IMAX. A proeza técnica que se estende a um ritmo perfeito durante 3 horas é, sem dúvida, a conquista cinemática mais ambiciosa e importante do ano, e uma histórica, pois este é o primeiro filme em que foram utilizadas câmaras IMAX de 70mm com película a preto e branco, que alterna com a de cores quando a narrativa assim o exige. Tudo o que vemos no ecrã é real ou construído com efeitos práticos e analógicos, e segundo Nolan, filmado sem qualquer CGI, o que já seria de esperar num filme dele. Esta insistência, combinada com a de filmar e montar totalmente em pelicula, garante aos filmes de Nolan todo o aspeto real e imersivo que o cinema consegue atingir – é uma experiência cinemática autêntica e especial! Tudo em Oppenheimer é filmado on location, incluindo a cidade de Los Alamos, em New Mexico, (local do Projeto Manhattan), construída de raiz à semelhança da também construída de raiz na década de 40.

É um filme complexo, com muitas referências históricas, muita política, ciência, e detalhes que poderão passar despercebidos a quem não conhece minimamente este período da história, assim como algumas das figuras envolvidas, mas sendo Nolan o cineasta e storyteller experiente que é, não se torna um impedimento à compreensão da mesma. O argumento, rico e detalhado, juntamente com a realização, são entregues num ritmo impecável, com imagens intermitentes e viscerais de faíscas e explosões que nos permitem localizar e perceber em geral o que se passa na narrativa, e construir tensão em simultâneo. Vemos faíscas, fogo e átomos a separarem-se num mundo quântico, alternados com a tensão crescente que observamos nas personagens, o que nos traz à chave narrativa do filme.

Existe uma constante sensação de arrasto, mas de urgência ao mesmo tempo. É uma relação paradoxal que nos imerge numa tensão constante e acumulativa, até ao ponto de ‘explosão’, em que neste pode até ser uma bomba a explodir no ecrã. Este suspense propositado é tão intenso que por vezes transforma Oppenheimer num quase filme de terror, principalmente durante o ‘Teste Trinity’, onde testaram a primeira amostra completa da bomba atómica. Aqui, é-nos explicado que, embora mínima, havia uma hipótese de a detonação da bomba-teste poder incendiar a atmosfera e causar uma reação em cadeia que destruiria o mundo, e Oppenheimer move-se narrativamente a um passo que nos imerge para dentro da situação, como se fizéssemos parte da equipa que trabalha incansavelmente para obter um poder que nos pode destruir a nós também.

Desde o primeiro frame, o filme constrói e intensifica todos os momentos até à histórica contagem decrescente para o teste, que é montada de uma forma tão visceral que assombra todos os elementos envolvidos - as personagens, o som, a fotografia, a banda sonora, e por fim, nós, a audiência - é cinema no seu estado mais meta!